As séries de Star Trek

0

Espaço, a fronteira final. Essas são as viagens da nave estelar Enterprise, audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve. E, delfonauta, foram muitas viagens audaciosas por todos os rincões das galáxias conhecidas (e às vezes até das desconhecidas).

A Enterprise, bem como outras naves e até uma estação espacial, teve seu quinhão de aventuras fantásticas ao longo dos anos na telinha da TV em seis seriados que fizeram a alegria dos fãs, os trekkers, desde os anos 1960 até 2005. As missões de Jornada nas Estrelas também se expandiram para o cinema (aguarde matéria sobre todos os filmes da série), literatura, games e colecionáveis.

Mas a alma da franquia sempre foi a televisão. Foi o que possibilitou essa expansão para diferentes mídias. E nesta matéria especial, falarei um pouco sobre cada um dos seriados de Jornada nas Estrelas, desde a série original, o início de tudo, até Enterprise, a última a ser produzida. Comecemos:

JORNADA NAS ESTRELAS – A SÉRIE ORIGINAL (Star Trek: The Original Series – EUA – 1966/69)

Criada por Gene Roddenberry como um faroeste no espaço e inspirado também em As Viagens de Gulliver, surpreendeu desde o começo pelo tom pacifista, afinal, a tripulação da nave Enterprise tem por objetivo a exploração e pesquisa de novos setores do espaço. E embora tanto a Enterprise quanto a tripulação possua armas (os torpedos fotônicos e os phasers), eles só as usam em último caso e como legítima defesa, preferindo sempre resolver os problemas que surgem na base da conversa e da diplomacia.

Pregava também a união entre os povos numa época de pesados conflitos raciais e políticos. Como a série se passa no futuro distante, no século XXIII, Roddenberry, preferindo acreditar no melhor lado da humanidade, especulou que ela estaria em paz numa Federação dos Planetas Unidos, onde nacionalidades e fronteiras não existiriam mais e guerras e problemas políticos já teriam sido há muito superados. Sendo assim, nada mais natural que a tripulação da Enterprise fosse bem diversificada.

Há um escocês (o engenheiro-chefe Montgomery Scott, o Scotty), um descendente de japoneses (o piloto Hikaru Sulu, embora ele seja natural de São Francisco, Califórnia), uma negra (a tenente Uhura, um dos principais papéis negros na TV da época) e claro, até um alienígena, o famoso Sr. Spock (que na verdade era mestiço, meio humano, meio vulcano).

A partir da segunda temporada entra um novo personagem, o alferes russo Pavel Chekov, isso em plena época de Guerra Fria. É por decisões como essa, bem como por abordar esses e outros temas relevantes para a época de maneira disfarçada que a série estava muito à frente de seu tempo.

Os roteiros sempre foram a grande força da série, visto que ela possuía um orçamento pequeno e não podia contar com bons efeitos especiais e cenografia, os quais eram bem pobres, para não dizer ridículos. Sendo assim, o jeito era focar mesmo na história e caprichar nela para que os outros defeitos de produção não atrapalhassem. Por isso mesmo, sua equipe de roteiristas era fortíssima e a série contou até com a presença de escritores tarimbados de ficção científica, como Richard Matheson (autor de Eu Sou a Lenda), que escreveu o episódio The Enemy Within, e Harlan Ellison, cujo episódio The City on the Edge of Forever é até hoje um dos clássicos da série.

Produzida entre 1966 e 69, teve três temporadas totalizando 80 episódios (incluindo um primeiro piloto rejeitado, onde o protagonista era o Capitão Pike e não Kirk) e a história do que aconteceu com ela todo mundo conhece: na época em que ia ao ar, ninguém deu bola. A série foi cancelada e redescoberta posteriormente através de reprises, onde aí sim ganhou um público absurdo e virou verdadeiro objeto de culto e fenômeno da cultura nerd.

Vista hoje, é óbvio que envelheceu bastante, sobretudo em termos de ritmo. Se hoje um episódio dura cerca de 42 minutos por causa dos muitos comerciais e é cheio de reviravoltas, os da série original tinham cerca de 55 e, fora a duração maior, eram mais lentos no desenvolvimento e desenrolar da trama. Mas se você conseguir se acostumar a isso e também puder relevar os toscos efeitos especiais, terá horas de diversão garantida.

Nota: 4,5

JORNADA NAS ESTRELAS – A SÉRIE ANIMADA (Star Trek: The Animated Series – EUA – 1973/75)

Dado o sucesso das reprises da série original, os fãs queriam que um novo seriado fosse produzido. A primeira tentativa de reintroduzir um produto de Jornada nas Estrelas na televisão foi esse desenho animado produzido pela Filmation (a mesma que mais tarde faria o He-Man) e que basicamente continuava a missão da Enterprise do ponto em que a série anterior parou, inclusive fazendo continuações de episódios de sua contraparte com atores de verdade e trazendo de volta personagens mostrados nela.

Os atores da série clássica voltaram para dublar seus personagens, à exceção de Walter Koenig, que ficou de fora por questões orçamentárias. Sendo assim, Chekov acabou substituído por um alienígena bizarro de três braços, mas Koenig, no fim das contas, acabou escrevendo um episódio do desenho, tornando-se o primeiro membro do elenco a escrever um capítulo de Jornada nas Estrelas.

Apesar de ser um típico desenho de sábado de manhã, voltado, ao menos em teoria, para crianças (estamos falando de uma época em que animações adultas não eram comuns), os roteiros não deixam nada a dever à série clássica, apenas condensando as tramas em 24 minutos ao invés dos 55 do seriado live action. Por ser um desenho, também pôde explorar melhor questões de design, como alienígenas bizarros e planetas exóticos, muito mais elaborados do que os mostrados em sua antecessora. Infelizmente, a animação em si faz o gênero “desenho desanimado”, com poucos movimentos e muitas cenas estáticas.

Ainda assim, introduziu alguns elementos que se tornariam populares no universo de Jornada nas Estrelas. O holodeck e o planeta Vulcano são mostrados aqui pela primeira vez, por exemplo.

A animação teve duas temporadas, num total de 22 episódios e chegou a ganhar um Emmy de melhor programa infantil em 1975. Ainda assim, ela é cercada por certa polêmica. Gene Roddenberry, apesar de estar envolvido no projeto, aparentemente não gostou muito do resultado, e a desconsiderou da cronologia do universo Star Trek. Mas muitos roteiristas em séries e outros veículos posteriores fizeram referências e homenagens a tramas e personagens do desenho, deixando confuso se os fatos que aconteceram na animação devem ser levados em conta pela cronologia trekker ou não.

Nota: 3

JORNADA NAS ESTRELAS – A NOVA GERAÇÃO (Star Trek: The Next Generation – EUA – 1987/94)

Graças ao sucesso dos filmes de cinema, Jornada nas Estrelas finalmente pôde voltar à televisão numa série live action, esta também criada por Gene Roddenberry. A Nova Geração se passa cerca de um século após as missões de Kirk e companhia e mostra as aventuras de uma nova versão da Enterprise com outra tripulação, chefiada pelo aristocrático Capitão Jean-Luc Picard (Patrick Stewart, que engole o mulherengo e canastrão Capitão Kirk de William Shatner com farinha).

Mesmo com uma nova Enterprise e novos rostos, as histórias mantêm a mesma pegada da série clássica, só que com um pouco mais de dinheiro e efeitos especiais melhores, além de um andamento muito mais próximo do que estamos acostumados atualmente.

Único elenco a rivalizar com o da série original em termos de carisma e no gosto dos fãs, esta série é tão boa quanto a primeira e também possui vários episódios muito elogiados e grandes momentos por todas as suas sete temporadas e 176 episódios, o que a torna a mais longeva de todas elas. Foi a série de maior audiência da franquia, ganhou vários prêmios e, não à toa, quando a tripulação da série original se aposentou no cinema, nada mais natural que o elenco de A Nova Geração assumir as aventuras na tela grande.

Para os fãs de The Big Bang Theory, vale lembrar que é nessa série que Wil Wheaton, o arquiinimigo de Sheldon, atuou. Ele interpretou Wesley Crusher, o filho da Dra. Beverly Crusher (Gates McFadden), a oficial médica chefe da nave. Como a Enterprise era uma nave de exploração em longas missões, era permitido a membros da tripulação levar junto familiares e havia também outros funcionários civis trabalhando nela. Menino prodígio, Wesley era meio que o mascote da ponte de comando, onde o Capitão Picard só permitia que ele ficasse porque era amigo da sua mãe há bastante tempo. Eventualmente, virou membro honorário da tripulação e até chegou a ser uma espécie de navegador não oficial da nave. Wheaton deixou a série no meio da quarta temporada para tentar conseguir mais papéis no cinema. Assim, como seu personagem já estava entrando na adolescência, os roteiristas explicaram sua saída fazendo com que Wesley entrasse para a Academia da Frota Estelar. Contudo, Wil voltou para participações especiais nas temporadas seguintes, já como um cadete da Frota.

Confesso que tenho um certo carinho de infância por essa série. Na época em que abriu uma locadora perto da minha casa em Brasília, ela tinha várias fitas compilando episódios de The Next Generation. Na época, como eu não sabia a diferença entre filmes e seriados, achava maior legal que havia tantos filmes do “Capitão Careca” (como eu carinhosamente me referia a Picard na época) para ver, às vezes vários numa fita só, muito embora eu não tivesse idade para entender direito os roteiros.

Nota: 5

JORNADA NAS ESTRELAS – A NOVA MISSÃO (Star Trek: Deep Space Nine – EUA – 1993/99)

Gene Roddenberry morreu em 1991, mas uma franquia tão lucrativa quanto essa não poderia partir com ele. O controle da marca ficou a cargo de Rick Berman que, junto de Michael Piller, criou a série que sucederia A Nova Geração. A Nova Missão, como foi chamada originalmente no Brasil para pegar carona no sucesso da antecessora, ou simplesmente Deep Space Nine, como depois passou a ser chamada, é a que mais se distancia de todos os conceitos consagrados do universo de Jornada nas Estrelas.

Para começar, é a única que não se passa numa nave, e sim numa estação espacial, a Deep Space Nine do título. A Federação assume a estação em órbita do planeta Bajor, que durante anos foi ocupado por uma raça inimiga, os cardassianos. As coisas ficam mais interessantes quando se descobre que há um buraco de minhoca estável próximo à estação que leva a um quadrante distante e inexplorado da galáxia. Contudo, esse quadrante é controlado por uma organização chamada Dominion, e eles não são nada amistosos.

Como se pode ver pelo enredo, essa é a série que mais assume tons sérios e por vezes sombrios, falando abertamente de questões políticas, e mais para frente no seu desenrolar, de guerra e seus horrores, tornando-se o Star Trek mais adulto tematicamente, mostrando que nem tudo se resolve com educação e cordialidade no universo de Jornada nas Estrelas.

Mesmo tendo durado sete temporadas e 173 episódios, não fez tanto sucesso quanto A Nova Geração. Os fãs estranharam o tom mais violento e sisudo do seriado e o elenco não é nem de perto tão marcante quanto os capitaneados por Kirk e Picard. Há bons personagens, mas o Capitão Benjamin Sisko de Avery Brooks não é nem de perto tão carismático quanto James T. Kirk ou Jean-Luc Picard.

No meu gosto pessoal, A Nova Geração tem o melhor elenco, mas A Nova Missão possui os melhores roteiros, justamente por dar uma mudada brusca no teor das histórias. Para quem busca uma série de Jornada mais barra-pesada, essa é a pedida.

Nota: 5

JORNADA NAS ESTRELAS – VOYAGER (Star Trek: Voyager – EUA – 1995/2001)

Criada por Rick Berman, Michael Piller e Jeri Taylor, Voyager continua seguindo a ideia de diversidade tão explorada pela marca. Já tivemos um capitão estadunidense (Kirk, embora William Shatner seja canadense), um estrangeiro (o francês Jean-Luc Picard, interpretado pelo britânico Patrick Stewart) e um negro (Benjamin Sisko). Estava na hora de dar o comando da ponte a uma mulher.

E veja só, isso acabou gerando inúmeras piadas machistas por parte dos fãs. Mas não poderia ser para menos, pois foi só dar uma nave, a Voyager, nas mãos de uma mulher, a capitã Kathryn Janeway (Kate Mulgrew), que ela conseguiu a proeza de se perder no lado mais distante da galáxia.

Ela se perdeu tanto que levaria 75 anos em velocidade máxima de dobra para conseguir trazer a Voyager de volta ao espaço conhecido. E essa é a trama da série, apenas a tripulação da Voyager perdida num setor estranho, tentando arranjar algum atalho para voltar para casa. E nesse ínterim fazendo contato com novas raças alienígenas e se metendo em altas confusões, você conhece o esquema.

A série retoma os enredos mais tradicionais da série original e da Nova Geração, mas fica bem claro que já há um desgaste nesse tipo de história e rapidamente o negócio se torna bastante repetitivo.

O elenco ainda menos interessante que o de A Nova Missão também não ajuda em nada e esta se torna facilmente a pior série de todas.

A audiência despencou, ela foi duramente criticada e, mesmo assim, também teve suas sete temporadas e 170 episódios. Quem não assistiu não perdeu nada.

NOTA: 1

JORNADA NAS ESTRELAS – ENTERPRISE (Star Trek: Enterprise – EUA – 2001/05)

Com o fracasso de crítica e desaprovação do público de Voyager e a franquia indo mal também no cinema com Jornada nas Estrelas: Insurreição (de 1998), algo precisava ser feito para dar uma chacoalhada no mundinho trekker. Rick Berman e Brannon Braga criam então Enterprise (posteriormente rebatizada como Star Trek: Enterprise) para ver se os fãs voltavam a se animar.

A exemplo de Deep Space Nine, novamente temos aqui uma série que se distancia dos preceitos mais consagrados de Jornada nas Estrelas. Para começar, enquanto A Nova Geração, A Nova Missão e Voyager aconteciam em paralelo, possibilitando que os personagens de uma eventualmente participassem em episódios da outra, Enterprise volta para o passado.

Ela é uma prequência que se passa 100 anos antes dos eventos da série original e mostra o começo da Frota Estelar e as primeiras missões exploratórias da primeira nave Enterprise. A tripulação não é exatamente muito bem treinada, mas cheia de boa vontade, encontrando pela primeira vez raças e problemas que os fãs conhecem bem das outras séries.

Visualmente também é muito distinta de todos os outros seriados, com equipamentos mais arcaicos (embora o design já lembre modelos clássicos de equipamentos, como comunicadores e por aí vai) e figurinos baseados nos uniformes da Nasa. E por ser produzida já nos anos 2000, quando a televisão tornou-se uma mídia tão forte quanto o cinema e, portanto, tinha mais verba para os episódios, possui os melhores efeitos especiais dentre todas elas.

A tripulação também é a mais interessante desde A Nova Geração, liderada pelo Capitão Jonathan Archer de Scott Bakula, que é basicamente apenas um astronauta, sem qualquer tato diplomático, mas que se vê obrigado a se virar como pode nos primeiros contatos com várias raças alienígenas.

E mesmo com essa possibilidade de visão dos primórdios da Frota Estelar, o programa não conseguiu boa audiência, o que, a meu ver, foi bem injusto, já que a série era bastante divertida. E se alguma deveria ter matado a franquia por má qualidade, deveria ter sido a Voyager. Mas o mundo não é justo e Enterprise foi para o saco após quatro temporadas (e ainda assim durou mais que a série original!) e 98 episódios.

Nota: 3,5

Todas as séries foram exibidas no Brasil. Algumas delas vira e mexe são reprisadas pelo canal SyFy, como A Nova Geração e Deep Space Nine. Todas elas também foram lançadas aqui em DVD, mas em Blu-Ray, por enquanto, apenas as três temporadas da série original estão disponíveis.

Agora só resta esperar que o sucesso do reboot de J.J. Abrams anime os produtores a levar novamente Jornada nas Estrelas para a televisão com uma nova série. Os fãs agradecem.

NÃO DEIXE DE LER NOSSAS OUTRAS MATÉRIAS TREKKERS:

Star Trek: A resenha do reboot de J.J. Abrams.
Tremendões J.J. Abrams: O homem que conquistou as estrelas.
Além da Escuridão – Star Trek: Khaaaan!

Galeria