Achados e Perdidos

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Em Mr. Mercedes, Stephen King nos apresentou ao seu mais novo personagem, o detetive Bill Hodges, que estrelaria sua própria trilogia de romances. Sua primeira história, contra o serial killer Brady Hartsfield, mostrou-se um bom livro, na competente média de suas obras mais atuais, ainda que distante de seus anos de glória.

Achados e Perdidos é a segunda parte da trilogia, e embora também seja uma boa leitura, apresenta alguns problemas. O principal deles, eu diria, é que simplesmente não parece a segunda parte de uma trilogia, e tampouco uma história de Bill Hodges, tanto que aqui ele fica relegado ao posto de coadjuvante.

King nos apresenta primeiro a história de Morris Bellamy. No final dos anos 1970, ele rouba e mata seu escritor favorito, levando dinheiro e um monte de preciosos cadernos cheios de obras nunca publicadas do recluso autor. Ele enterra o butim, porém acaba sendo preso por outro crime totalmente diferente.

Já nos anos de 2010, o adolescente Peter Saubers encontra o tesouro enterrado e, com a família passando por problemas financeiros, decide usar o dinheiro para ajudá-los. E tenta pensar num modo de transformar os cadernos com os escritos inéditos do famoso escritor em mais grana. Não é preciso quebrar muito a cabeça para imaginar que isso o colocará na mira de Morris Bellamy.

Assim como havia feito em Mr. Mercedes, aqui também King divide a narrativa entre seus dois protagonistas. Obviamente, o ponto de vista distorcido do malfeitor (neste caso, Bellamy) é sempre mais interessante que o do mocinho (Peter), e as partes da história dedicadas a ele são muito mais interessantes, com a pegada de suspense policial, que as focadas no garoto, que ganham contornos de drama doméstico.

É legal também que de fato há uma ligação forte com Mr. Mercedes, com acontecimentos do livro anterior reverberando neste, bem como a volta ou citação a vários de seus personagens, o que faz com que sua leitura seja quase essencial antes de se embarcar neste. E ainda dá indícios do que pode vir para a terceira e última parte.

Contudo, como já falei, quem deveria ser a estrela do negócio acaba não tendo qualquer importância aqui. Bill Hodges e seus dois ajudantes pouco aparecem no livro e suas partes são totalmente dispensáveis. Não só isso, como na realidade ele não possui qualquer relevância para o desenrolar da trama.

Ocorre aqui exatamente a mesma coisa que na famosa teoria nerd de que o Indiana Jones não possui qualquer relevância para o desenrolar de Os Caçadores da Arca Perdida, e se ele nem estivesse no filme, a história teria seguido exatamente da mesma forma.

Ainda é uma história bacana e uma leitura extremamente rápida e deveras divertida, mas se a ideia era fazer uma trinca de histórias estreladas pelo detetive, esta aqui, não há como negar, falhou miseravelmente neste objetivo. Não fossem as referências e ligações com o volume anterior, poderia muito bem ser considerado um trabalho totalmente separado.

Seja como for, Achados e Perdidos continua sendo um bom entretenimento literário e se você é fã de Stephen King, vale a leitura. Agora resta saber como a trilogia se encerrará e, principalmente, se Bill Hodges voltará a tomar o papel central. Enquanto ele não chega por aqui e responde essas indagações, este aqui desce bem.

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Nota
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Carlos Cyrino
Formado em cinema (FAAP) e jornalismo (PUC-SP), também é escritor com um romance publicado (Espaços Desabitados, 2010) e muitos outros na gaveta esperando pela luz do dia. Além disso, trabalha com audiovisual. Adora filmes, HQs, livros e rock da vertente mais alternativa. Fez parte do DELFOS de 2005 a 2019.
achados-e-perdidosPaís: EUA<br> Ano: 2015 (EUA) / 2016 (Brasil)<br> Autor: Stephen King<br> Número de Páginas: 352<br> Editora: Suma de Letras<br>