A Joanna e o Rock

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Quando fomos convidados para escrever este texto, o comentário era que para mim seria bem mais fácil, afinal, eu só tenho oito anos e 10 meses para relatar. No entanto, o fato de ser a caçula me dá a vantagem de já ter crescido na era da internet, sem precisar juntar dinheiro para comprar CDs ou esperar uma faixa tocar na rádio para gravá-la numa fita. Conhecer bandas novas sempre foi fácil pra mim, o que faz com que eu já tenha bastante para contar.

AINDA SOMOS OS MESMOS E VIVEMOS COMO NOSSOS PAIS

Na minha casa sempre se ouviu muita música. Meu pai é a pessoa mais eclética que já andou na face da terra: a coleção dele abriga desde o Legend: Bob Marley ao The Ozzman Cometh, passando pelos CDs antigos do Luiz Gonzaga, pela trilha sonora de Armaggedon, pelo Brothers in Arms do Dire Straits e pelo The Very Best of Johnny Rivers. Tudo isso entre uma infinidade de cantores jamaicanos de Reggae e bandas dos forrós mais bizarros imagináveis.

Já minha mãe ouve MPB, música clássica e outras coisas mais refinadas. Discos como o La Luna, da Sarah Brightman, O Transversal do Tempo, da Elis Regina, o Por Onde Andará Stephen Fry? do Zeca Baleiro e O Grande Encontro – um álbum ao vivo com Zé Ramalho, Alceu Valença, Elba Ramalho e Geraldo Azevedo tocando juntos – são alguns dos que eu ouvia com ela e gosto até hoje.

Nenhum dos dois teve muita influência no que eu viria a gostar depois, mas eles me deram uma boa base de música em geral. E até hoje, quando ouço bandas mais puxadas pro Reggae e Ska, como Sublime e Reel Big Fish, ou pra música nordestina, como Raimundos e Chico Science & Nação Zumbi, acabo gostando porque essas influências soam familiares para mim.

IT STARTS WITH ONE THING, I DON’T KNOW WHY

Por falar em família, eu sempre fui próxima dos meus primos mais velhos. Como eu passava muito tempo com eles, acabava ouvindo o que eles ouviam. Posso garantir que a quantidade embaraçosa de letras do 50 Cent que eu sei de cor, não aprendi por vontade própria.

Acontece que um desses meus primos teve uma breve fase roqueira, e nessa fase ele ouvia o Hybrid Theory, do Linkin Park. Na época eu tinha (realmente) uns oito anos, e In The End passava direto na MTV. Eu adorava aquela música, e por causa dela me interessei pelo resto do CD.

Até aqui o que eu ouvia sozinha se resumia a Sandy e Junior e Rouge, mas já sentia uma certa admiração quando via garotos mais velhos “caracterizados”, com camisetas de banda e cintos de rebite. Algo já me atraía neste universo, e quando descobri como a música era legal, acabei decidindo realmente me aproximar.

Já por meios argentinos, consegui então meus três primeiros CDs: o Admirável Chip Novo, da Pitty, o Fallen do Evanescence e uma coletânea do Linkin Park, que tinha faixas do Hybrid Theory, do Meteora e do Hybrid Theory EP. Os dois primeiros eu ouvi três ou quatro vezes, mas o último eu não larguei mais.

E foi aí que começou de fato. Pela primeira vez eu fui atrás dos nomes dos integrantes (já criando um carinho especial pelo Mike Shinoda) e a ficar atenta a novidades sobre a banda. Era moda na época, então não era difícil. Quando eles vieram fazer show aqui em 2004, eu lembro que corria para a sala sempre que passava o comercial na TV.

No ano seguinte, quando estava de férias em Pernambuco, achei uma coletânea de rock nacional que tinha O Rappa e Ira! entre os CDs do meu tio e ouvi tantas vezes que meu primo fez uma cópia para eu poder trazê-lo comigo. E foi chegando mais.

THEY CALL ME THE SEEKER, I’VE BEEN SEARCHING LOW AND HIGH

Eu continuava assistindo à MTV, anotava os nomes das músicas que achava legal e pedia pra alguém buscar na argentina o álbum que a tinha. Foi assim que eu consegui o American Idiot do Green Day, o primeiro álbum do Audioslave, o Back in Black do AC/DC, entre muitos outros. E aí um pouco mais tarde, por volta dos 12 anos, eu comecei a entrar na internet, e consequentemente a procurar bandas novas sozinha.

Daí pra frente eu fui acumulando conhecimento. Atirava pra todo lado: começava pelos nomes mais populares e ia atrás de outras similares. Por exemplo, pelos Beatles conheci o The Who, pelo Nirvana conheci o Pearl Jam, pelo Slipknot conheci o System of a Down, pelo Guns n’ Roses conheci o Motley Crüe e pelo Iron Maiden conheci o Judas Priest. Nesses dois últimos eu não fui muito longe. Ainda gosto de Aerosmith e Black Label Society, mas esses estilos nunca foram minha praia. Digamos que eu gosto de Metallica, mas estou mais para Hero of the Day do que para Ride the Lightning.

Com o passar do tempo, minhas pesquisas foram ficando mais específicas. As coisas mais clássicas, tipo Led Zeppelin, Bob Dylan e Motörhead nunca me deixaram, mas meu gosto musical foi se moldando em basicamente três estilos: o Punk, o Alternativo e o Indie. Os três são bastante interligados e eu os descobri mais ou menos ao mesmo tempo, então é difícil contar de forma linear como eu cheguei a eles. Sendo assim, vamos no Jack the Ripper style.

WE ARE BORN WITH A CHANCE. I AM GONNA HAVE MY CHANCE.

Na época eu já conhecia The Offspring e Blink 182, mas a primeira banda Punk que eu realmente virei fã foi o The Clash, uma das mais tremendonas e relevantes da história do Rock. Hoje, entre os clássicos eu também gosto de Buzzcocks, Sex Pistols, Ramones, Misfits e os meus dois queridinhos: Black Flag e Social Distortion.

Outra coisa dessa época que eu costumo ouvir é o Psychobilly: uma mistura de Punk com Rockabilly com letras psicopatas à Misfits. Comecei com The Cramps, depois veio Reverend Horton Heat, The Meteors, HorrorPops e Batmobile. É muito divertido, e ainda tem aqueles contrabaixos acústicos legalzudos.

Também adoro a geração que trouxe o gênero de volta a partir do fim dos anos 80: Rancid, NOFX, Bad Religion (que eu fui ver ao vivo ano passado), Anti-Flag e Pennywise. Também vale citar o Me First and the Gimme Gimmes, a impagável banda de covers formada por Fat Mike do NOFX com membros do Lagwagon e No Use For A Name, que transforma clássicos da música, do cinema e até do teatro em Punk Rock:

Eu honestamente não lembro direito quando e como eu me interessei pelo Punk, mas sei que o que me atrai no gênero é a energia, os refrões extremamente cantáveis e o fato de as bandas serem: a) engraçadas, joviais e irreverentes ou b) inteligentes, militantes e ácidas. Algumas, como o Rancid, conseguem ser ambos.

Sem contar que, para quem estava acostumada com as letras excessivamente emocionais das bandas de Nu Metal, que choram, sofrem, cortam os pulsos e enfiam os dedos nos próprios olhos, foi bom descobrir bandas que falam sobre agir, protestar, defender os oprimidos. O Punk despertou meu interesse por diversos assuntos históricos, políticos, filosóficos e sociais; me ajudou a exercitar meu olhar crítico, meu senso de justiça… Se eu fosse comentar aqui tudo o que o movimento me ensinou, daria outro texto.

WHEN SHE TALKS, I HEAR THE REVOLUTION

E por falar em coisas que eu aprendi com a música, eu acho que vale a pena abrir um subtítulo aqui. Lembro de alguns anos atrás alguém ter me perguntado se eu tinha alguma “ídola” mulher no rock, e de ter pensado por uns bons minutos e não conseguido lembrar de nenhuma. Hoje sem pensar muito eu consigo citar pelo menos 15 bandas que eu escuto que têm integrantes femininas (não é difícil, já que no Rock Alternativo tem menina por todo lado), e pelo menos cinco moças roqueiras que eu admiro em nível pessoal.

A primeira eu descobri enquanto explorava os subgêneros do Punk, quando me deparei com o movimento Riot Grrl. Mais precisamente, me deparei com Kathleen Hanna e seu Bikini Kill. A voz da Hanna não é exatamente bonita, mas é uma voz forte, que se faz ouvir. O mesmo se diz da banda: a música definitivamente não é boa em termos de qualidade técnica, mas tem um significado muito grande pela mensagem que traz. Isso só reitera aquele princípio Punk de que a música pode ser o melhor meio de dar voz às minorias e de expressar não só sentimentos e emoções, mas também ideias e opiniões. “Eu quero que toda garota no mundo pegue uma guitarra e comece a berrar”, já diria Courtney Love.

E como no caso de Rebel Girl, as letras da Hanna têm o poder de fazer qualquer menina se sentir automaticamente orgulhosa simplesmente por ser menina; e uma menina rebelde, que não se desculpa pela atitude que resolve tomar e pela pessoa que escolhe ser. Considerando que eu sempre fui uma daquelas meninas tomboy que prefere estar sempre no meio de caras, essa sensação foi muito bem vinda.

Daí em diante, comecei a prestar mais atenção em bandas formadas ou lideradas por mulheres e, com isso, descobri preciosidades como Siouxsie and the Banshees, The Breeders, Throwing Muses, L7, Blondie, The Runaways, Juliette and the Licks, Ida Maria, No Doubt e The Cranberries, entre outras.

Hoje posso me dizer fã de moças como Kathleen Hanna, Brody Dalle, Kim Deal, Kim Gordon (a moça ali em cima) e Alison Mosshart, não só porque elas são de bandas que eu adoro, mas também porque são mulheres inteligentes, confiantes, de personalidade forte, que sempre me inspiraram por parecerem tão conscientes e orgulhosas do que são e do que fazem. Quando crescer, quero ser como elas.

NOISE NOMADS AND ME

Desde o começo eu já gostava de várias bandas consideradas alternativas, mas posso dizer que só fui entender mesmo o gênero depois de ver isso na MTV:

Fiquei tão impressionada com essa música que fui atrás do Sonic Youth na hora e adorei o que descobri. Tinha uma certa influência Punk também, mas a música era estranha, diferente de tudo que eu já tinha ouvido. Achei incrível como eles conseguiam ser ora melancólicos e reflexivos, ora caóticos e experimentais. Nenhuma música tinha falado tão diretamente comigo antes. E até hoje eu posso esquecê-los por meses a fio, mas quando volto a ouvir ainda adoro da mesma forma.

E eles foram meio que um divisor de águas. Depois deles eu descobri outras bandas que me marcaram muito, como The Smashing Pumpkins, Pixies e Dinosaur Jr, e peguei gosto por linhas de baixo em primeiro plano, guitarras dissonantes e outras características que mudaram bastante meu gosto.

E o legal é que o Alternativo é abrangente, englobando de coisas bastante barulhentas, como Hüsker Dü, a bandas fofinhas, como o R.E.M. Isso dá uma liberdade maior também para nós, fãs: soa bem menos estranho eu dizer que gosto de Beastie Boys e Lily Allen – que não têm nada a ver com Rock – do que um headbanger dizer que curte Coldplay, por exemplo.

E eu aproveito bastante essa diversidade. Ouço The Kills, The Raconteurs e The Dead Weather, Soundgarden, Rage Against the Machine e Audioslave, Queens of the Stone Age e Them Crooked Vultures, Joy Division, A Perfect Circle, Public Image Ltd., Modest Mouse, Black Drawing Chalks, Beck, Red Hot Chili Peppers, Weezer, Wolfmother, Silverchair, Radiohead, Stone Temple Pilots, Gorillaz… elas provavelmente não têm muito a ver umas com as outras e algumas têm outros rótulos mais específicos, mas todas podem ser chamadas de alternativas. O que me leva à próxima parte:

DIRTY DANCEFLOORS AND DREAMS OF NAUGHTINESS

Na verdade o termo Indie só quer dizer que a banda é independente de grandes gravadoras. Mas agora se pode dizer que o Indie acabou se distinguindo e virando um subgênero do Rock Alternativo, mais leve, divertido e dançante, com alguns momentos mais fofos. Nesse caso, quem me iniciou foi o Arctic Monkeys, pouco antes do lançamento do Humbug.

O álbum estava gerando grandes expectativas e eu ouvia gente falando bem deles por todo lado. Quando ouvi os dois álbuns anteriores, entendi o porquê. Alex Turner é um letrista excepcional e o instrumental é impecável, principalmente por causa de Matt Helders, o baterista que considero o melhor da música alternativa:

Depois da felicíssima surpresa que tive com eles, resolvi dar uma chance a outras bandas similares que eu também nunca tinha ouvido além das músicas mais conhecidas. Aí veio The Strokes, Franz Ferdinand, Interpol, Blood Red Shoes, Miles Kane (que junto com o Alex forma o The Last Shadow Puppets), The Killers, Kasabian, Mando Diao, Kaiser Chiefs, e por aí vai.

E tem sempre outras novas chegando. Só de dois anos pra cá teve o MGMT, Foster the People, The Vaccines, Vampire Weekend e The Drums. Isso me ajuda a superar aquele clichê de que “hoje em dia não se faz mais música legal como antigamente”. Se faz sim, é só procurar direito.

YOU THINK THIS STORY IS OVER, BUT IT’S READY TO BEGIN

E assim eu continuo descobrindo. Algumas semanas atrás, procurando um trailer do filme Clube dos Cinco, acabei caindo neste vídeo que não aceita ser embedado e me apaixonei à primeira ouvida pela música que toca no fundo. Acabei descobrindo que a música se chamava From Nothing to Nowhere, que era de uma banda chamada Pinback e que estava num álbum chamado Autumn of the Seraphs.

Quando ouvi, descobri que essa tal Pinback é excelente, apesar de desconhecida: tem exatamente o estilo de baixo e guitarra que eu gosto, dois vocais bastante melancólicos e letras inspiradas. Acabei conseguindo a discografia inteira e, desde então, tenho ouvido todo dia. Uma das melhores descobertas que eu fiz em muito tempo, e totalmente por acaso.

E eu ainda tenho muito a conhecer. Tenho certeza que daqui a poucos dias eu vou descobrir outras bandas e sentir pena de não ter dado tempo de citar aqui. E pode ser que eu passe a ouvir outros estilos e acabe enjoando de todas as bandas que agora são minhas favoritas, nunca se sabe. Mas sair do Rock eu acho que nunca mais saio. E nem ele de mim.

P.S.: Os subtítulos são trechos de músicas que têm a ver com o momento ou o estilo que eu estou descrevendo na hora. Quem listar as músicas e/ou os artistas a que elas pertencem nos comentários ganha um high five telepático.

NÃO DEIXE DE LER O RESTO DA SÉRIE “DELFIANOS E O ROCK”:

O Bruno e o Rock: o texto que deu origem à série.

O Corrales e o Rock: heavy metal, hard rock e mamãe.

O Cyrino e o Rock: guitarras dissonantes e alternativas.

O Guilherme e o Rock: só os elementos mais pesados da tabela periódica.

O Allan e o Rock: alternativo e MTV.

O Pscheidt e o Rock: mais conhecido como o “cara, você é muito poser”.

O Daniel e o Rock: ele diz que curte metal, mas só ouve bandas estadunidenses.

O Flávio e o Rock: seduzido pela Donzela.

A Tis e o Rock: ela insiste em dizer que aquela bagunça é gosto musical.

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