24 Horas: Viva um Novo Dia

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A série 24 Horas teve uma importância gigantesca durante a exibição de suas primeiras temporadas, por ter sido um produto claramente voltado para o público estadunidense pós-11 de setembro (afinal, era exibida pela Fox, canal aberto nos States). Os episódios iniciais da primeira temporada, embora tenham sido escritos e gravados antes do atentado, foram ao ar pouco depois, e desde então os produtores utilizaram a trama de impedir um ataque terrorista iminente em todas as temporadas.

O fato é que 24 Horas recebeu muitas críticas por sua abordagem violenta e extremista, com frequentes cenas de tortura, justificadas pelos personagens principais como a única maneira de conseguir informações para impedir os ataques terroristas e, assim, salvar vidas de inúmeros inocentes cidadãos estadunidenses. Por mais que tenha sido uma ótima série de TV, com bom roteiro, cenas de ação e um formato inovador à época, definitivamente o entretenimento fornecido pela série foi minimamente irresponsável em uma época de governo George Bush filho, frequentes violações de direitos humanos e da convenção de Genebra na Prisão de Guantánamo e nas guerras do Iraque e Afeganistão.

O que foi positivo em relação ao 24 Horas original é que os produtores ouviram as críticas sobre a exibição de cenas de tortura das primeiras temporadas, e as tramas claramente se adaptaram ao que acontecia no cenário político dos EUA e às suas relações internacionais. É assim que 24 Horas vale a pena, para mim, pois cada temporada demonstrava razoavelmente bem algumas discussões que a sociedade norte-americana poderia ter naquele momento. A série foi corajosa em várias ocasiões, como ao mostrar que evidências falsas foram criadas para os EUA entrarem em guerra com países do Oriente Médio na 2ª temporada, ou ainda na revelação final da 5ª temporada, que mostrou quem pode ser o maior vilão dos EUA.

Depois desta longa, mas necessária introdução, a pergunta é: 24 Horas, como série de TV, tem espaço hoje em dia? Apesar de atentados do Estado Islâmico, ou ainda de extremistas na França e na Austrália, dificilmente esses são os problemas mais urgentes do mundo atual. A crise dos empregos, a incessante busca dos governos por segurança pela troca de privacidade, o uso de tecnologias militares mais sofisticadas (como robôs e drones) para operações de execução e o vazamento de informações de governos e empresas por ex-funcionários ou grupos hackers têm mais a ver com o que vivemos atualmente do que com a Al-Qaeda, por exemplo. 24 Horas: Viva Um Novo Dia sabe disso e usa alguns desses elementos para colocar Jack Bauer de volta à ação que, convenhamos, é sempre muito bem-vinda.

JACK WANTS IT, JACK NEEDS IT, JACK GETS IT

Uma das maiores qualidades de 24 Horas é como os personagens são bem desenvolvidos, em especial o protagonista Jack Bauer que, se por um lado começou sendo um patriota disposto a fazer qualquer coisa por seu país, aos poucos se transformou em um anti-herói (e até em um vilão, dependendo do seu ponto de vista) ao buscar não justiça, mas vingança pessoal nas últimas temporadas. 24 Horas: Viva Um Novo Dia se passa quatro anos depois de Jack ter aprontado com o governo norte-americano e todos estão atrás dele.

É difícil dizer quando Jack Bauer mais chegou próximo de ser Chuck Norris, mas o início desta temporada, que se passa em Londres, sem dúvida ficará lembrado por mostrar Jack chutando bundas de maneira bastante satisfatória. É interessante ver como está agora o protagonista e vários outros personagens principais, em especial Chloe O’Brian (a mais fiel amiga de Jack), Audrey Raines (para mim, seu melhor interesse amoroso) e seu pai James Heller, que agora é presidente dos EUA, se relacionando e voltando à ativa após tanto tempo sem contato.

24 Horas: Viva Um Novo Dia também foi feita pensando em pessoas que nunca assistiram à série antes, e assim coisas importantes das últimas temporadas são contextualizadas sem grandes estragões. É uma boa opção para começar a assistir à série, também pelo fato de agora ser em 12 episódios, ao invés do desgastante formato de 24, que não é tão bem recebido logo de cara pela quantidade de plot twists que têm.

24 HORAS, EM LONDRES

Não se engane: apesar do frescor trazido pelos novos personagens e pela ambientação em Londres, 24 Horas – Viva Um Novo Dia ainda é 24 Horas, ou seja, pode esperar por agente corrupto a famosa (mule, e isto não é spoiler), por Jack recuperando a credibilidade com o governo, desobedecendo ordens diretas, perdendo a cabeça em vários momentos e ainda tramas de personagens secundários que não ajudam em muita coisa.

Em 24 Horas – Viva Um Novo Dia, vejo uma baita oportunidade perdida, porque é a primeira vez que vemos Jack em outro país sendo caçado pelo próprio governo. Era melhor ter colocado o cara para se virar como agente solitário, trabalhando às escuras durante a maior parte da temporada, do que fazer com que ele voltasse a se relacionar com o gabinete da Casa Branca tão rápido. Claro, na série, já vimos à exaustão as duas coisas, mas nesta temporada acredito que o potencial seria maior com Jack arriscando um sotaque britânico e, sei lá, explodindo alguns edifícios famosos da grande ilha.

Inevitavelmente os elementos repetidos cansam e, pasme, 24 Horas – Viva Um Novo Dia não encerra de vez a série! Novamente, temos um cliffhanger enorme para ser resolvido. Parar por aqui é sacanagem, não dá, então pode esperar por mais um dia com Jack Bauer.

Outra coisa que não gostei foram as discussões rasas sobre os temas principais – os drones e o vazamento de informações sigilosas (este último claramente inspirado por Edward Snowden). Na verdade, sempre foi assim nesta série. A caracterização dos “vilões”, no geral, está justa, mas novamente pelo olhar dos patriotas estadunidenses. Uma pena, já que os temas e os personagens rendiam mais.

CONCLUSÃO

O ator Kiefer Sutherland disse em entrevista recente que a série foi trazida de volta para dar um fim nela. Jack Bauer realmente merece um final decente. Do jeito que eles deixaram, ainda dá para fazer algo interessante na próxima temporada, mas apenas se eles mudarem alguns elementos e ousarem um pouco mais. O formato de 12 episódios, com o pulo de 12 horas entre episódios para fechar o ciclo de um dia, pode se provar importante para alcançar isso. Senão, 24 Horas morrerá pela própria boca.

A série pode não ser mais tão interessante como foi antes, mas tem ainda um pouco de saliva para gastar e continua sendo um ótimo entretenimento se você gosta de ação. Recomendada para fãs de carteirinha e para quem nunca soube quem é este tal de Jack Bauer, suposto bastardo de Chuck Norris.

LEIA MAIS SOBRE 24 HORAS E TERRORISMO:

A nossa resenha do 24 Horas original, cobrindo as primeiras cinco temporadas. Cuidado com os spoilers na descrição das temporadas!

– Se você gosta deste assunto de terrorismo e Al-Qaeda, confira o texto sobre a morte do Bin Laden, onde me arrisquei a dizer que nada mudava depois do cidadão apresuntar.

– Quer ler mais sobre produtos ideológicos disfarçados de entretenimento? Saca só esta resenha sobre A Hora Mais Escura, filme sobre a investigação e captura do Bin Laden.

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Daniel Villela
Daniel adora heavy metal, rock progressivo e Frank Zappa, jogos de FPS, aventura, plataforma e RPG, é fanático pelo MCU, curte séries de TV como Mad Men, Breaking Bad, Demolidor, 24 Horas, Friends e The IT Crowd. No lado profissional, é formado em Jornalismo, pós-graduado em Comunicação Empresarial e trabalha na área de Marketing.
24-horas-viva-um-novo-diaAno: 2014<br> Elenco: Kiefer Sutherland, Mary Lynn Rajskub, Yvonne Strahovski, William Devane, Kim Raver, Tate Donovan, Giles Matthey, Benjamin Bratt, Gbenga Akinnaqbe.<br> Canal: Fox<br>